Mulher desajeitada e mal procedida, subiu naquele ônibus com a cabeça nas nuvens. Flutuava tanto entre a esperança e o temor, que se deixou enganar facilmente. Com o dinheiro embaixo da sola do tênis, assombrada pelas alarmantes notícias de como andam violentos os tempos, casaquinho nos ombros, para o prejudicial porém insubstituível ar-condicionado, munida de três barrinhas de cereal para uma eventual fome no meio do caminho, e uma coletânea de contos de Tchekhov para fugir do país tropical que a fazia transpirar, lá foi a palerma enfrentar infindáveis quilômetros de angústia. Mesmo que a idiota tivesse tido sorte, o que não foi o caso, a viagem já seria uma provação pela quantidade de delírios inconfessáveis que passavam por sua mente. Mas outras vozes foram ouvidas. Vozes externas. De uma senhora logo no assento atrás do seu, que vociferava dogmática, moral e bons costumes (os dela é claro, a mulher modelo de Niteroi) a uma desenxabida passageira que sem escapatória, com um bebê enervado e barulhento no colo, acenava em silêncio obediente a todos aqueles impropérios . Do lado oposto, um grupo que parecia mais uma torcida organizada, alternava conversas telefônicas onde o aparelho parecia inútil, visto que aos decibéis com que contestavam poderiam ser ouvidos à uma boa distância. E ainda um lampeiro senhor, que parecendo leve de alma, assobiava várias músicas e outras tantas cantarolava. Depois de muito esforço de concentração na leitura e tentativas frustradas de abstração ao ambiente, uma irritação ferveu como lava num vulcão em erupção subindo pelas paredes do seu estômago. Lembrou então do ipod, equipamento que iria libertá-la daquela babel de ruídos. Boba, as gárgulas de seu pensamento espreitavam agitadas, e assim que o som harmonioso se fez, também instaurou-se o seu caos particular. Na parada, tão aguardada, a imbecil transitou pelos corredores, refrescou-se num banheiro de dimensões faraônicas, fumou dois cigarros para que seu sangue voltasse a correr com fluidez e sua tolerância fosse renovada e retornou ao veículo já pronto para o segundo round. Nenhuma surpresa à outra parte da estrada, apenas a infâmia que se apresentava desde o início, até que, ao se aproximar do destino, a infeliz se depara com um aglomerado de carros, motos, caminhões, carroças, etc, que servem como transporte atravancando sua chegada. Não acabaria ali seu tormento. Ainda viria o taxista grosseiro e sem troco, a correria para cumprir seu primeiro compromisso programado e então, depois de cumpri-lo como se estivesse pulando de um trem em marcha, finalmente teve tempo. Uma taça de vinho em mãos, um interlocutor cúmplice, e depois de horas desfiando um rosário de alucinados desejos e tergiversação, chegou a seguinte conclusão; merecia ter se colocado naquela situação....TROUXA!
A vontade, o desejo, a loucura e a volúpia... A história interrompida, o olhar entrecortado, a palavra não dita... A falta de algo palpável, justificável, claro, Torna-me refém de uma voz que ecoa nos ouvidos Não pare até que acabe, Não esmoreça, nem esfrie. Caldeirão de ilusões que inebria e esgota, Nebulosa fumaça de razões absurdas. Em sua superfície todas as cores se misturaram. Alga boiando à deriva no mar, Buscando uma rocha, um ouriço, um navio para entrelaçar. A imperfeição que flutua brilhando Em seu próprio e frágil movimento ao luar. Minha magia, forca aos sonhos, Minhas frases, tesouras ao escrever, Meus passos, buracos seguindo, Meu coração e minha pele, elásticos adaptam-se à minha alma. Resultado deste fogo que não apaga, Da descoberta do invisível, mas sensível espectro, Do impulso incontrolável e incabível, Da promessa que talvez nunca se concretizará.
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